Velhas são as vinhas Menu

José Fonseca Franco

Proprietário e cuidador de uma vinha muito antiga em Fontanelas.

Entrevista: Nuno Miguel Borges
Fotografia: Beatriz Banha

Nuno Miguel Borges:

Diz-me que na lua cheia não faz poda, que os antigos diziam que enfraquecia.


José Fonseca Franco:

Ui, nesses tempos era nos três dias antes e nos três dias depois, mas eu agora não faço caso. É um dia e pronto.

Nuno Miguel Borges:

No dia de lua cheia?

José Fonseca Franco:

Sim. Por vezes, o dia antes e o dia depois. Eu respeito a lua cheia, que enfraquece as plantas. Mas em contrapartida, o que estou a aproveitar são plantas para plantar, ficam mais fortes.

Nuno Miguel Borges:

As varas das podas?

José Fonseca Franco:

Sim, é para plantar agora, é para o meu filho plantar uma vinha.

Nuno Miguel Borges:

Vai fazer enxertia?

José Fonseca Franco:

Aqui, não há enxertias.

Nuno Miguel Borges:

É plantado directamente na terra?

José Fonseca Franco:

É tudo plantação directa, é pé-franco.

Nuno Miguel Borges:

A poda é para continuar?

José Fonseca Franco:

A lua cheia já foi; por isso, vou ter quase um mês para podar.

Nuno Miguel Borges:

Depois da lua cheia, as varas ficam mais fortes quando planta?

José Fonseca Franco:

É assim: perto da lua cheia, a planta sofre, mas o que se tira da planta fica mais resistente.

Nuno Miguel Borges:

Quando diz perto da lua cheia, é quanto tempo?

José Fonseca Franco:

Um dia antes e um dia depois.

Nuno Miguel Borges:

E que quer dizer com a planta sofrer?

José Fonseca Franco:

Sofrer é ficar mais fraca.

Nuno Miguel Borges:

Mas nota isso na planta?

José Fonseca Franco:

Os antigos diziam que sim, eu nunca fiz essa experiência. Os nossos técnicos tinham a obrigação de explicar isso bem, mas não os vejo a explicar isso, não sei se faz diferença ou se não faz. Um senhor para quem faço uns trabalhos, e que é engenheiro agrónomo, também acredita que a lua tem influência sobre a terra e que isso pode acontecer, mas não sei. Eu vou respeitando.

Por exemplo, para cortar os vimes, que são para atar os molhinhos dos bacelos. Quando vou cortar o vimeiro, procuro sempre cortá-lo na lua cheia, porque o pé enfraquece, mas não faz mal, a planta é forte, e os vimes que corto ficam mais resistentes ao bicho. Também uso a verga para dar pontos nas cintas dos abrigos de canas.

Nuno Miguel Borges:

Que mais é que os antigos diziam que continua a seguir nas vinhas?

José Fonseca Franco:

Praticamente, é só isto. Ah, e a lua dezembrinha, em que eles diziam que não se devia podar, que fazia vides bifurcadas e não se querem vides bifurcadas. Precisamos de deixar uma vara, e não convém que ela esteja bifurcada, porque senão fica uma parte mais fraca. Mas, sinceramente, não faço caso disso, não posso fazer caso de tanta coisa, tenho muito para fazer e o tempo não me chega para tudo.

Nuno Miguel Borges:

Esta vinha dá muito trabalho?

José Fonseca Franco:

Se esta vinha dá muito trabalho? Oh, nem me diga nada, é por isso que a uva é ao preço que é, porque se fosse fácil de fazer, como é nas outras vinhas, então podia ser muito mais barata. Tem o preço para pagar a despesa que isto dá: está a ser paga a 5 € o quilo, para as pessoas irem aguentando o pouco que há para aí. A minha vinha é quase um resto do que havia; há outra aqui perto, um bocadinho atrás, mas muito mal-amanhada.

Nuno Miguel Borges:

Não há muita vinha desta?

José Fonseca Franco:

Não, isto está a acabar. Agora, há aí novas, mas são aramadas. Estão-se a plantar… O meu filho tem uma plantada, está toda alinhadinha para os tractores poderem trabalhar.

Nuno Miguel Borges:

Mas como esta…

José Fonseca Franco:

Isso já não. Estes pés têm à volta de 200 anos. Já viu os pés que isto tem? São parreiras, mas ela está muito fraca este ano.

Nuno Miguel Borges:

Porquê?

José Fonseca Franco:

Sei lá, fome, sede. Aqui perto, existem canas. Além, as vinhas estão boas.

Nuno Miguel Borges:

Como é que vê que ela está fraca?

José Fonseca Franco:

Não vê que ela tem menos lenha para tirar? No ano passado, deixei-lhe 10 varas destas ― cá na terra, chama-se olhetados ―, este ano ficou com 7 varas, e fracas.

Nuno Miguel Borges:

Porque é que continua a trabalhar esta vinha? Gosta?

José Fonseca Franco:

Que hei-de eu fazer? Nasci aqui… Enquanto eu puder mexer, vou mexendo.

Nuno Miguel Borges:

Faz parte da sua vida?

José Fonseca Franco:

Pois claro! É aqui que eu me sinto bem, chova, não chova, está sempre bom. É areia… Nem que esteja a chover um metro por hora, nunca me atrapalho com água, a areia bebe tudo, passa para baixo, e vai sair do outro lado.

Nuno Miguel Borges:

Quando é que ficou com esta vinha?

José Fonseca Franco:

Foi quando o meu pai deixou de poder amanhar.

Nuno Miguel Borges:

O seu pai era proprietário da vinha?

José Fonseca Franco:

Sim, quando a comprou já era velhinha. Segundo consta da história, foi mandada plantar pelo Conde de Galveias, mas a vinha não era só deste tamanho, e tinha caminho a toda a volta, agora é que já é de quatro proprietários. Esta chamava-se a vinha do meio por estar no meio do caminho.

Nuno Miguel Borges:

Era maior ou era deste tamanho?

José Fonseca Franco:

Tinha 13 000 metros ― este bocadinho só tem quatro.

Nuno Miguel Borges:

O seu pai comprou-a já com que idade?

José Fonseca Franco:

A vinha?

Nuno Miguel Borges:

Sim.

José Fonseca Franco:

Já tinha uns 100 anos.

Nuno Miguel Borges:

Ela agora tem 200?

José Fonseca Franco:

Anda perto disso. Elas foram plantadas há perto de 200 anos, quando começaram a plantar vinhas em terreno de areia. Isto também não é coisa muito antiga. Eles só descobriram que isto dava vinha já muito tarde, e depois tornou-se mais famosa quando veio a filoxera, que matou as vinhas em argila, matou quase tudo, e aqui não matou nada. Na areia, neste tipo de areia, a filoxera não entra, e, como tal, plantaram-se mais. Pelos meus cálculos, chegou a haver aqui na zona 4 km de comprido e 1 km de largo de vinhas: 4 km2. Era uma faixa junto à costa, quase tudo vinhas, hoje é tudo pinhais.

Nuno Miguel Borges:

Quando é que começaram a trocar a vinha pelo pinhal?

José Fonseca Franco:

Ninguém trocou nada, eles apareceram. As vinhas foram morrendo… há sítios, há terrenos, em que elas aguentam até velhinhas, é o caso aqui, mas há outras zonas de areia em que o barro que está por baixo não permite que elas sejam resistentes, e não vivem muitos anos. Aqui, não, elas mesmo assim ainda se vão aguentando.

Nuno Miguel Borges:

Que faz quando elas morrem? Vai substituindo?

José Fonseca Franco:

Não vale a pena. Morreu, morreu, não planto mais nada. Tenho macieiras quanto baste para compor isto.

Nuno Miguel Borges:

Vai plantando macieiras?

José Fonseca Franco:

Também já não ponho mais nenhuma; o que está é o que há.

Nuno Miguel Borges:

Porque é que tem vinhas com macieiras?

José Fonseca Franco:

Quando o meu pai comprou a vinha, já havia falhas, porque isto estava tudo muito mal arranjado, estava abandonado. Havia muitas falhas e ele começou a plantar macieiras nessas falhas, porque sabia que aqui era bom. Havia ali um triângulo com macieiras que era um espectáculo a dar maçãs, e, então, quando havia espaços com a vinha fraca, morta, ou que já não estava lá, ele plantava macieiras, e elas fizeram-se. Eu tive isto abandonado muitos anos.

Nuno Miguel Borges:

Porquê? Outros negócios?

José Fonseca Franco:

Porque houve uma altura que ninguém dava nada pelo vinho. Era muito trabalho, eu estava sozinho e dediquei-me a uma vacaria, abandonado isto por muitos anos. Só voltei a amanhar esta vinha há uns vinte anos.

Nuno Miguel Borges:

Quanto tempo esteve abandonada?

José Fonseca Franco:

Para aí uns 10 anos ou mais. Já tinha acácias mais altas do que as macieiras, muito mais. As acácias nascem por todo o lado e na areia são uma praga: mal haja um descuido, isto fica tudo coberto de acácias.

Nuno Miguel Borges:

Voltou porque agora estão a dar mais dinheiro pela uva?

José Fonseca Franco:

Sim, agora está a ser mais bem pago, passou a ser uma coisa escassa, em vias de extinção. Por exemplo, eu vendo as uvas a uma empresa particular que tem uma marca própria e que me pode pagar a esse preço, porque vende uma garrafa por, sei lá, eu nem sei, mas devem estar a vende-la por 40 €, 50 €. Admira-me quem dá esse dinheiro pelo vinho.

Nuno Miguel Borges:

Aprendeu a trabalhar esta vinha com quem? Com o seu pai?

José Fonseca Franco:

Pois.

Nuno Miguel Borges:

Aprendeu tudo com ele?

José Fonseca Franco:

Sim. Nasci aqui, andava na escola, e o meu pai estava sempre ansioso por que eu tivesse um fim-de-semana para vir para aqui dar água ao pulverizador manual ― com 8 anos andava com 12 litros de água para lhe abastecer o pulverizador. Há um poço à ponta, tínhamos lá um tanque… naquele tempo, nem havia tanque, era uma barrica de madeira. O tanque já fui eu que fiz quando tinha 16 ou 17 anos. E, então, passávamos aqui a vida, mas nessa altura havia 3 vinhas: esta, uma que o meu filho voltou a plantar e um bocadinho aqui que também voltou a plantar no ano passado. Mas, agora, as que voltou a plantar já não vivem tanto como viveram as primeiras.

Nuno Miguel Borges:

Porquê?

José Fonseca Franco:

Não sei. A terra é uma terra pobre, e então temos mesmo de seguir aquele ditado: «É terra que já deu uva.» Como já deu uvas, já não volta a dar. Agora, para dar uvas tem de se criar um pinhal, depois já se pode plantar vinha… Mas é a tal história, enquanto a primeira durou 100 anos, esta dura 20.

Nuno Miguel Borges:

Depois do pinhal?

José Fonseca Franco:

Sim.

Nuno Miguel Borges:

Porquê?

José Fonseca Franco:

Porque a terra está enjoada.

Nuno Miguel Borges:

Os pinheiros têm de estar quanto tempo?

José Fonseca Franco:

Pelo menos, 20, 30 anos, para depois dar vinho outra vez.

Nuno Miguel Borges:

Quando começou a trabalhar aqui com oito anos, que fazia na vinha? Abastecia de água e mais?

José Fonseca Franco:

Mais nada, andava na escola. Era água para a vinha e para as macieiras.

Nuno Miguel Borges:

Quando é que começou a fazer mais coisas?

José Fonseca Franco:

Assim que saí da escola, a partir dos 11 anos.

Nuno Miguel Borges:

Veio para aqui trabalhar?

José Fonseca Franco:

Pois. Para aqui e para outras coisas. Tínhamos muito mais coisas, tínhamos vinhas em barro, terras, trigo…

Nuno Miguel Borges:

Nesta vinha de areia, que faziam naquela altura? Que faziam durante o ano?

José Fonseca Franco:

A mesma coisa que se faz agora. Dantes, isto era tudo cavado à enxada, agora mete-se uma moto-enxada e já se cava menos.

Nuno Miguel Borges:

Cavavam isto tudo à enxada?

José Fonseca Franco:

Tudo.

Nuno Miguel Borges:

Para tirar a erva?

José Fonseca Franco:

A terra tinha de ser mexida, para tirar a erva e para manter a terra fresca.

Nuno Miguel Borges:

Era trabalhar o dia todo?

José Fonseca Franco:

Pois era, de sol a sol. Era desde o sol nascer até ao sol se pôr. Nem é bom falar disso.

Nuno Miguel Borges:

Era duro?

José Fonseca Franco:

Ai, ai… Aqui, ainda era areia. E quando era em barro? Cheio de cascalho e com enxadas pesadíssimas, enxadas de pontas.

Nuno Miguel Borges:

Está a arrancar raízes nessa parte da cepa?

José Fonseca Franco:

Devia ter sido levantado a certa altura, e não foi.

Nuno Miguel Borges:

Mas vai cortar ou levantar?

José Fonseca Franco:

O pé é ali, não pode ter raízes aqui. Vou tirar. Isto é branco, é malvasia.

Nuno Miguel Borges:

Porque é que diz que é branco?

José Fonseca Franco:

Conheço a videira, e ainda tem folhas. A folha do branco é desta cor e a do tinto não… eles misturaram tudo… agora, não se faz isso, fazem-se linhas de tinto e linhas de branco.

Nuno Miguel Borges:

Antigamente, era tudo junto.

José Fonseca Franco:

Era misturado: misturavam tudo e várias variedades ― esta que está aqui é tinta, é molar, a outra ao lado é ramisco.

Nuno Miguel Borges:

E esta branca?

José Fonseca Franco:

É malvasia. Ali, há algumas cepas de galego, que é branco também.

Nuno Miguel Borges:

Naquele tempo, que faziam mais?

José Fonseca Franco:

Isto estava tudo cheio de abrigos, de cana seca, não se usavam canaviais. De seis em seis metros, no intervalo de cada área, havia um abrigo de canas. E o trabalhão que dava? Depois, vinha o vento e deitava tudo abaixo, e tínhamos de levantar o abrigo. Alguns chegaram a ser levantados três vezes, um abrigo de 100 metros de comprimento…

Nuno Miguel Borges:

É complicado? Dá muito trabalho?

José Fonseca Franco:

Então não dá! É levantar a paliçada e pô-la aprumada, e às vezes está uma para cada lado.

Nuno Miguel Borges:

Porque é que tombavam várias vezes ao ano? Por causa do vento?

José Fonseca Franco:

Sim. Porque dantes não havia pinhais ali atrás, não havia nada, isto era tudo vinhas, e os pinhais é que cortam os ventos. Os ventos chegam aqui já ensarilhados, é diferente.

Nuno Miguel Borges:

Havia muito vento?

José Fonseca Franco:

Também havia mais, é verdade.

Nuno Miguel Borges:

As uvas precisam de ser protegidas do vento com as paliçadas?

José Fonseca Franco:

Sim, têm de estar ao abrigo. Por exemplo, neste caso, as próprias macieiras são mais robustas para o vento, elas próprias já fazem abrigo à vinha, ou seja, com elas o vento já ensarilha, é diferente de ser o vento cortante. O vento varre a areia e a própria areia queima os rebentos à vinha. Se deixasse isto à disposição do vento, tudo aberto, a areia levantava, era varrida pelo vento e batia nos rebentos quando a vinha está a arrebentar, tenra, e queimava tudo. Há dois ou três anos, na vinha do engenheiro, que é armada, estava mais alta, o abrigo caiu, e estando mais voltada ao mar, virada a norte, foi tudo, não ficaram nem folhas, nem uvas, nem nada, desapareceu tudo. Às vezes, a gente diz que é vento norte, mas é noroeste, noroeste é que é o nosso problema maior.

Nuno Miguel Borges:

Que mais trabalhos é que faziam na vinha antigamente?

José Fonseca Franco:

Os trabalhos são os mesmos que hoje.

Nuno Miguel Borges:

Estrumar?

José Fonseca Franco:

Sim, a gente chama encaldeirar: abriam-se covas e punha-se estrume para dentro. E de três em três anos, voltava-se ao mesmo sítio. Pelo menos, devia ser assim, e agora também é assim. Na altura, enterravam-se matos, limpavam-se os matos todos e enfiava-se tudo debaixo da terra, que a areia come tudo, toda a lenha, e a vinha ia-se mantendo forte.

Nuno Miguel Borges:

Notava-se a diferença?

José Fonseca Franco:

Ui, assim que se trata ela fica logo mais forte.

Nuno Miguel Borges:

Arrebita.

José Fonseca Franco:

As vinhas entre aquelas chapas foram tratadas há dois anos ― encaldarei ―, e já se nota.

Nuno Miguel Borges:

Como é que faz?

José Fonseca Franco:

Com um balde, empurro metade para um lado e metade para o outro, e o resto tenho de fazer à enxada até meio metro. Depois, levo o cesto de estrume e, em seguida, tapo, são covas de 1 m2. Mas não é só com o estrume; a vinha goza mesmo só pondo a terra de cima para baixo, porque esta terra está cheia de matéria orgânica, basta só mudar a manta morta para ao pé das raízes que elas já gozam.

Nuno Miguel Borges:

Que mais coisas é que faz na vinha?

José Fonseca Franco:

Quando é a altura, em Agosto, levanta-se a uva com as caninhas, levantam-se os braços da vinha ― o que nós pomos é o chamado pontões, para a uva não estar no chão, porque senão, se chove qualquer coisa quando a uva está quase madura e está no chão, apodrece tudo, por isso tem de ser tudo levantado.

Nuno Miguel Borges:

Estas varas que está a cortar vai plantá-las directamente na areia?

José Fonseca Franco:

Das que preciso, vou, mas não é na areia, é no barro, pelo menos deve ser no barro.

Nuno Miguel Borges:

Como é que faz?

José Fonseca Franco:

Abre-se uma vala até ao barro ― são plantadas metro a metro ―, põe-se estrume dentro e tapa-se. Antigamente, abria-se uma vala à enxada, metade para aqui metade para acolá, valas de três metros, depois puxava-se, tirava-se metade da areia, a outra metade ficava lá, depois― chamava a gente de bancadas ― ia-se passando para trás, raspava-se até ao barro, plantava-se, e toda aquela terra que estava mais perto do barro ficava lá dentro na mesma, porque a areia mais perto do barro torna-se rija depois de voltar a secar, então convém que ela fique na mesma lá em baixo.

Nuno Miguel Borges:

Plantavam com que distância?

José Fonseca Franco:

Plantava três linhas em cada manta, três metros, três linhas ― uma ficava ao meio e as outras ficavam nas margens da manta. E plantava-se de meio em meio metro, depois eram desbastadas e tiradas as que menos se desenvolviam.

Nuno Miguel Borges:

Isso passado quanto tempo?

José Fonseca Franco:

Um ano ou dois, ia-se vendo. As que ficavam mais fracas tiravam-se, que não interessava deixar tanta cepa. Agora não, agora são plantadas já à conta, têm de ser todas aproveitadas, mas depois algumas não prestam, pois claro. Dantes, depois de estarem plantadas, escolhiam-se as melhores, agora fica tudo. São plantadas à conta, de metro a metro e linhas de 2,20 m, para passar o tractor. Enfim, são modernices.

Nuno Miguel Borges:

Mas está a perder-se alguma coisa?

José Fonseca Franco:

A qualidade, nunca tem o grau que estas vinhas têm.

Nuno Miguel Borges:

Qual é o grau destas?

José Fonseca Franco:

Chegava aos 12 e tal, 13.

Nuno Miguel Borges:

E as outras?

José Fonseca Franco:

Para aí 10,5. Aqui, a uva está em cima da areia, a areia é quente, puxa por ela, dá-lhe mais açúcar. A outra é toda criada pendurada ao ar, já não é preciso pôr os tais pontões, está atada ao arame. Só que em cada 20 cm que sobe, perde um grau.

Nuno Miguel Borges:

E o sabor?

José Fonseca Franco:

É a mesma coisa. Uma coisa mais doce tem um sabor diferente da que não está tão doce. Ela também não tem mais grau porque não tem mais açúcar. O que era antigo acabou tudo.

Nuno Miguel Borges:

Tem pena?

José Fonseca Franco:

Pena para quê? Não há ninguém para trabalhar nelas.

Nuno Miguel Borges:

Porque é que acha que as pessoas não querem trabalhar nestas vinhas?

José Fonseca Franco:

Não querem trabalhar nisto, nem noutra coisa, a malta não quer trabalhar, quer é empregos, não é trabalho. A malta não quer fazer nada; para se fazer alguma coisa, têm de vir do estrangeiro.

Nuno Miguel Borges:

Não gostam de trabalhar na agricultura?

José Fonseca Franco:

Nada, só querem trabalhar sentados. Nem nas obras… até para as obras não se arranja pessoal, a malta não quer esforço. Dizem que é escravatura, que trabalhar é escravatura.

Nuno Miguel Borges:

Gosta de trabalhar a vinha?

José Fonseca Franco:

Gosto, tenho pena de não ter saúde para isto, nem idade.

Nuno Miguel Borges:

Mas dá-lhe gosto estar aqui no meio da vinha?

José Fonseca Franco:

Gosto. Venho cá praticamente todos os dias. Sinto-me útil a fazer qualquer coisa.

Nuno Miguel Borges:

Gosta de beber o vinho destas vinhas?

José Fonseca Franco:

Sei lá, se calhar nunca o bebi.

Nuno Miguel Borges:

Gosta do vinho de Colares?

José Fonseca Franco:

Gosto mais do branco, mas o que tem mais fama é o tinto. O branco é muito bom. O tinto é mais famoso, mas os antigos não eram burros, porque esta vinha, que é antiquíssima, tinha muito mais branco do que tinto.

Nuno Miguel Borges:

Qual é a diferença?

José Fonseca Franco:

A diferença é 2/3 de branco.

Nuno Miguel Borges:

Como é que faziam a vindima?

José Fonseca Franco:

Primeiro, o branco, depois o tinto, mas tudo de seguida.

Nuno Miguel Borges:

A vinha dava branco e tinto.

José Fonseca Franco:

Antigamente, o branco tinha mais fama, por isso é que plantaram branco. Nem é preciso ninguém dizer: se tem mais branco, é porque dava mais dinheiro. O dinheiro estava sempre acima de tudo. Agora, está tudo ao mesmo preço.

Nuno Miguel Borges:

E estão a plantar mais branco ou mais tinto?

José Fonseca Franco:

O branco produz mais.

Nuno Miguel Borges:

Esta vinha com 200 anos produz muito ou nem por isso?

José Fonseca Franco:

Há cepas que já estão fracas. Por exemplo, a variedade que está aqui, a molar, é o tinto que eles utilizavam para cortar a acidez ao ramisco, que é um vinho doce. A vindima era feita separadamente, porque havia quantidade, podia fazer-se um tonel ou um casco dessa variedade, que depois se juntava ao ramisco. Ela vindima-se mais cedo do que o ramisco, ou melhor, devia vindimar-se mais cedo, mas agora não, como é pouca coisa vai tudo junto. Mas quando a gente vem vindimar, os pássaros já comeram quase tudo, que eles também gostam do que é doce, e ela é mais doce do que as outras, e então não vale a pena. Algumas já as arranquei, aquela vou arrancá-la, não vale a pena. Ela produz pouco, está-me a estorvar para passar a máquina.

Nuno Miguel Borges:

Não arranque… Ela tem 200 anos.

José Fonseca Franco:

Ninguém me paga por isso.

Nuno Miguel Borges:

Isto é um património. É um museu vivo.

José Fonseca Franco:

Isto aqui é visitado pelos turistas a toda a hora. Agora, alcatroaram a estrada até ao fundo da minha propriedade, o resto já estava. Mas eles mesmo sem alcatrão já vinham de autocarro, passavam por aqui e olhavam para as vinhas.

Nuno Miguel Borges:

Aqui, tem tintos ramisco e molar…

José Fonseca Franco:

E os brancos malvasia e galego.

Nuno Miguel Borges:

Alguma delas era plantada para compensar?

José Fonseca Franco:

Aí é que eu não sei. A malvasia é tão doce como a galego, mas é a tal coisa, também tinha de ser vindimada mais cedo.

Nuno Miguel Borges:

Qual delas?

José Fonseca Franco:

A galego tinha de ser vindimada mais cedo, que era a chamada monda; fazia-se a monda na galego branco e na molar tinto, uma semana antes da outra vindima.

Nuno Miguel Borges:

Depois, era o ramisco e a malvasia.

José Fonseca Franco:

Certa vez, ainda tinha muita uva e fiz um barril de 100 litros. Em Agosto, fiz a monda em todas, mesmo a ramisco, que estava mais madura, apanhei e fiz 100 litros de vinho ― é um vinho fora de série, nem o Porto se compara. É tão bom que nem sei aquilo o que é. Galego, malvasia, ramisco e molar. Foram apanhadas logo em Agosto, há anos que dá para fazer isso.

Nuno Miguel Borges:

Geralmente, a vindima aqui é quando?

José Fonseca Franco:

É em meados de Setembro.

Nuno Miguel Borges:

Vindima em quanto tempo?

José Fonseca Franco:

Quinze dias, mas não é por causa disto. Temos de ir às vinhas de barro.

Nuno Miguel Borges:

No tempo do seu pai, esta uva ia para onde?

José Fonseca Franco:

Ia para a Adega Regional de Colares. Havia postos de recepção em vários sítios da região: em Colares, Fontanelas, Azenhas do Mar e Janas. Depois, ultimamente, havia aqui um posto de recepção, mas a Junta Nacional dos Vinhos já não vinha buscar as uvas, eu é que tinha de as transportar com o tractor para a adega em Colares.

Nuno Miguel Borges:

Antigamente, vinham cá buscar?

José Fonseca Franco:

Vinham.

Nuno Miguel Borges:

Mas também havia muita uva.

José Fonseca Franco:

Isso era mais a uva do chão rijo, porque havia anos e épocas em que eles não eram capazes de se despachar lá em baixo na adega, e os cestos ficavam no posto de recepção dias e dias à espera de serem despejados. Ficava uma área toda coberta de cestos, e, às vezes, a chover e os cestos todos dentro de água.

Nuno Miguel Borges:

Estamos a falar de há quanto tempo?

José Fonseca Franco:

Estamos a falar de cerca de 50 anos.

Nuno Miguel Borges:

Anos 1970?

José Fonseca Franco:

Antes disso. Ainda havia essas quantidades. Depois, foi sempre menos.

Nuno Miguel Borges:

Aqui, era só vinha?

José Fonseca Franco:

Isto aqui não serve para outra coisa: é pinheiros, vinha e macieiras.

Nuno Miguel Borges:

Os vimes estão onde?

José Fonseca Franco:

Estão na ponta do terreno. Havia muito vimeiro nesse tempo para fazer os tais cestos para a vindima, e os cabazes de verga.

Nuno Miguel Borges:

E quem fazia?

José Fonseca Franco:

Havia aí cesteiros, ainda tenho um molde lá em casa de um modelo de cesto adaptado para as albardas dos burros. Albarda é a parte que se cobre no animal, o acolchoado em palha de centeio grosso para não se aleijarem, e os cestos eram curvos para dar a curva na albarda e não caírem.

Nuno Miguel Borges:

As uvas iam de burro?

José Fonseca Franco:

Sim, levavam dois cestos de 50 kg, e nessas areias era difícil, até para os carros de bois, que se viam aflitos na areia. Os burros eram mais próprios para transportar os cestos na areia, punham sempre as patas nos sítios uns dos outros e andavam bem. Depois, quando comprei o tractor, já lá vão 50 anos, mandei fazer uns cestos diferentes, ainda havia cesteiros a trabalhar na zona.

Nuno Miguel Borges:

Agora, o vime é utilizado para as canas?

José Fonseca Franco:

Agora, uso os vimes nos abrigos do engenheiro e nesta vinha. Hoje, estou a fazer molhes para atar os bacelos.

Nuno Miguel Borges:

Junta os bacelos em molhos e depois?

José Fonseca Franco:

Vou enterrá-los, não no sítio onde os vou plantar, mas numa borda qualquer. Faço um buraco, deito-os, e cobro com areia por cima.

Nuno Miguel Borges:

Quando quiser fazer a plantação directa…

José Fonseca Franco:

Vou lá buscá-los.

Nuno Miguel Borges:

Tem mais trabalhos nesta vinha durante o ano?

José Fonseca Franco:

Tem de se polvorizar, sulfatar, todas as semanas, durante os meses de Abril, Maio e Junho, a ver se se evita que o míldio apareça.

Nuno Miguel Borges:

Tem alguma regra para fazer a poda?

José Fonseca Franco:

Quando x estar muito longe do pé, estou sempre a ver se a ponho mais perto um bocadinho, não interessa que seja em cima do pé, mas convém um pouco mais perto do pé. Normalmente, elas querem ir para a frente, e eu quero que elas de vez em quando venham para trás.

Nuno Miguel Borges:

Há muita gente que sabe podar?

José Fonseca Franco:

Não, há para aí meia dúzia deles, e estão a acabar. Estão a morrer de velhos, doentes e cansados. O meu filho anda aí, mas não percebe nada disto.

Nuno Miguel Borges:

Da poda?

José Fonseca Franco:

Sim, passa o tempo a olhar para ela, primeiro que decida…

Nuno Miguel Borges:

O senhor José já não precisa de pensar?

José Fonseca Franco:

Não, já não preciso de pensar muito (risos), é olhar para elas e pronto.

Nuno Miguel Borges:

É a maneira de controlar a planta.

José Fonseca Franco:

Temos de a educar, senão é sempre para a frente. E para a frente, que acontece? Cansa, porque rebenta tanta coisa que, quando chega à ponta, já não tem força. Rebenta tanta lenha por todo o lado. Elas duraram tanto tempo porque o sítio é propício para elas.

Nuno Miguel Borges:

Não há mais vinhas com 200 anos aqui na zona?

José Fonseca Franco:

Havia algumas, mas os donos morreram, os filhos já não vieram para cá, e acabou-se.

Nuno Miguel Borges:

Arrancaram a vinha?

José Fonseca Franco:

Deixaram-na lá estar, mas está morta, os pinheiros invadiram tudo. Não é preciso semear os pinheiros, o vento faz sementeira, enche isto tudo de pinhal.

Nuno Miguel Borges:

Que faz aos pinheiros que nascem?

José Fonseca Franco:

Arranco-os todos. Aos pinheiros e às acácias. Ainda temos esse problema: os terrenos são pequeninos, os vizinhos não amanham e as raízes das árvores estragam tudo.

Nuno Miguel Borges:

Antigamente, aqui era o quê? Era só vinha? Qual era a paisagem?

José Fonseca Franco:

Era tudo vinha.

Nuno Miguel Borges:

Não havia árvores?

José Fonseca Franco:

Não.

Nuno Miguel Borges:

Canaviais?

José Fonseca Franco:

Canaviais havia. Primeiro, porque são precisos para dar canas, e, segundo, porque também abrigam.

Nuno Miguel Borges:

Havia sempre vinha, canaviais e vimeiros?

José Fonseca Franco:

Sim. Era tudo essencial para o bom funcionamento do amanho da vinha.

Nuno Miguel Borges:

Macieiras?

José Fonseca Franco:

Poucas, muito poucas. Quando o meu pai comprou, havia aqui um triângulo com cinco macieiras.

Nuno Miguel Borges:

Depois, foram construindo as casas que vemos em redor?

José Fonseca Franco:

Uma vez, fui mais o engenheiro José Vicente Paulo falar com a Edite Estrela por causa disso. Começou a aprovar aqui terrenos para construção… e, então, é o fim do vinho de areia, porque a vinha não dá o rendimento que dá o terreno para semear tijolos.

Nuno Miguel Borges:

E ela começou a autorizar?

José Fonseca Franco:

Pois, começou a deixar construir aí por todo o lado

Nuno Miguel Borges:

Que idade é que tem?

José Fonseca Franco:

Setenta e cinco anos. Isto está condenado a acabar. Os meus filhos só trabalham em cima do tractor; fora disso, chapéu. Isto não se pode fazer a tractor, custa muito, e as pessoas trabalham 5 minutos vergadas e dizem logo que estão cansadas, que lhes doem as costas.

Nuno Miguel Borges:

A si, doem-lhe muito as costas?

José Fonseca Franco:

Ah, pois doem. Mas enquanto puder fazer alguma coisa, vou fazendo. Até aqui, tenho feito o meu trabalho e o do meu filho, mas se fizer só o meu já não é mau. Estas árvores estão tão velhas…

Nuno Miguel Borges:

Mas continuam a dar?

José Fonseca Franco:

A casca é que conta.

Nuno Miguel Borges:

Que idade é que têm essas macieiras?

José Fonseca Franco:

Têm 80 anos, foram todas plantadas pelo meu pai. Estas que estão mais perto do canavial estão mais fracas. O canavial é bom por um lado, mas é mau por outro. Agora na poda, estou sempre a procurar, que isto tem de ser tudo cavado, tenho que andar aqui de gatas.

Nuno Miguel Borges:

As pessoas da terra dão valor a estas vinhas antigas?

José Fonseca Franco:

Já não há ninguém daqui; se não fossem os de fora, a terra estava deserta.

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