Diz-me que na lua cheia não faz poda, que os antigos diziam que enfraquecia.
Ui, nesses tempos era nos três dias antes e nos três dias depois, mas eu agora não faço caso. É um dia e pronto.
No dia de lua cheia?
Sim. Por vezes, o dia antes e o dia depois. Eu respeito a lua cheia, que enfraquece as plantas. Mas em contrapartida, o que estou a aproveitar são plantas para plantar, ficam mais fortes.
As varas das podas?
Sim, é para plantar agora, é para o meu filho plantar uma vinha.
Vai fazer enxertia?
Aqui, não há enxertias.
É plantado directamente na terra?
É tudo plantação directa, é pé-franco.
A poda é para continuar?
A lua cheia já foi; por isso, vou ter quase um mês para podar.
Depois da lua cheia, as varas ficam mais fortes quando planta?
É assim: perto da lua cheia, a planta sofre, mas o que se tira da planta fica mais resistente.
Quando diz perto da lua cheia, é quanto tempo?
Um dia antes e um dia depois.
E que quer dizer com a planta sofrer?
Sofrer é ficar mais fraca.
Mas nota isso na planta?
Os antigos diziam que sim, eu nunca fiz essa experiência. Os nossos técnicos tinham a obrigação de explicar isso bem, mas não os vejo a explicar isso, não sei se faz diferença ou se não faz. Um senhor para quem faço uns trabalhos, e que é engenheiro agrónomo, também acredita que a lua tem influência sobre a terra e que isso pode acontecer, mas não sei. Eu vou respeitando.
Por exemplo, para cortar os vimes, que são para atar os molhinhos dos bacelos. Quando vou cortar o vimeiro, procuro sempre cortá-lo na lua cheia, porque o pé enfraquece, mas não faz mal, a planta é forte, e os vimes que corto ficam mais resistentes ao bicho. Também uso a verga para dar pontos nas cintas dos abrigos de canas.
Que mais é que os antigos diziam que continua a seguir nas vinhas?
Praticamente, é só isto. Ah, e a lua dezembrinha, em que eles diziam que não se devia podar, que fazia vides bifurcadas e não se querem vides bifurcadas. Precisamos de deixar uma vara, e não convém que ela esteja bifurcada, porque senão fica uma parte mais fraca. Mas, sinceramente, não faço caso disso, não posso fazer caso de tanta coisa, tenho muito para fazer e o tempo não me chega para tudo.
Esta vinha dá muito trabalho?
Se esta vinha dá muito trabalho? Oh, nem me diga nada, é por isso que a uva é ao preço que é, porque se fosse fácil de fazer, como é nas outras vinhas, então podia ser muito mais barata. Tem o preço para pagar a despesa que isto dá: está a ser paga a 5 € o quilo, para as pessoas irem aguentando o pouco que há para aí. A minha vinha é quase um resto do que havia; há outra aqui perto, um bocadinho atrás, mas muito mal-amanhada.
Não há muita vinha desta?
Não, isto está a acabar. Agora, há aí novas, mas são aramadas. Estão-se a plantar… O meu filho tem uma plantada, está toda alinhadinha para os tractores poderem trabalhar.
Mas como esta…
Isso já não. Estes pés têm à volta de 200 anos. Já viu os pés que isto tem? São parreiras, mas ela está muito fraca este ano.
Porquê?
Sei lá, fome, sede. Aqui perto, existem canas. Além, as vinhas estão boas.
Como é que vê que ela está fraca?
Não vê que ela tem menos lenha para tirar? No ano passado, deixei-lhe 10 varas destas ― cá na terra, chama-se olhetados ―, este ano ficou com 7 varas, e fracas.
Porque é que continua a trabalhar esta vinha? Gosta?
Que hei-de eu fazer? Nasci aqui… Enquanto eu puder mexer, vou mexendo.
Faz parte da sua vida?
Pois claro! É aqui que eu me sinto bem, chova, não chova, está sempre bom. É areia… Nem que esteja a chover um metro por hora, nunca me atrapalho com água, a areia bebe tudo, passa para baixo, e vai sair do outro lado.
Quando é que ficou com esta vinha?
Foi quando o meu pai deixou de poder amanhar.
O seu pai era proprietário da vinha?
Sim, quando a comprou já era velhinha. Segundo consta da história, foi mandada plantar pelo Conde de Galveias, mas a vinha não era só deste tamanho, e tinha caminho a toda a volta, agora é que já é de quatro proprietários. Esta chamava-se a vinha do meio por estar no meio do caminho.
Era maior ou era deste tamanho?
Tinha 13 000 metros ― este bocadinho só tem quatro.
O seu pai comprou-a já com que idade?
A vinha?
Sim.
Já tinha uns 100 anos.
Ela agora tem 200?
Anda perto disso. Elas foram plantadas há perto de 200 anos, quando começaram a plantar vinhas em terreno de areia. Isto também não é coisa muito antiga. Eles só descobriram que isto dava vinha já muito tarde, e depois tornou-se mais famosa quando veio a filoxera, que matou as vinhas em argila, matou quase tudo, e aqui não matou nada. Na areia, neste tipo de areia, a filoxera não entra, e, como tal, plantaram-se mais. Pelos meus cálculos, chegou a haver aqui na zona 4 km de comprido e 1 km de largo de vinhas: 4 km2. Era uma faixa junto à costa, quase tudo vinhas, hoje é tudo pinhais.
Quando é que começaram a trocar a vinha pelo pinhal?
Ninguém trocou nada, eles apareceram. As vinhas foram morrendo… há sítios, há terrenos, em que elas aguentam até velhinhas, é o caso aqui, mas há outras zonas de areia em que o barro que está por baixo não permite que elas sejam resistentes, e não vivem muitos anos. Aqui, não, elas mesmo assim ainda se vão aguentando.
Que faz quando elas morrem? Vai substituindo?
Não vale a pena. Morreu, morreu, não planto mais nada. Tenho macieiras quanto baste para compor isto.
Vai plantando macieiras?
Também já não ponho mais nenhuma; o que está é o que há.
Porque é que tem vinhas com macieiras?
Quando o meu pai comprou a vinha, já havia falhas, porque isto estava tudo muito mal arranjado, estava abandonado. Havia muitas falhas e ele começou a plantar macieiras nessas falhas, porque sabia que aqui era bom. Havia ali um triângulo com macieiras que era um espectáculo a dar maçãs, e, então, quando havia espaços com a vinha fraca, morta, ou que já não estava lá, ele plantava macieiras, e elas fizeram-se. Eu tive isto abandonado muitos anos.
Porquê? Outros negócios?
Porque houve uma altura que ninguém dava nada pelo vinho. Era muito trabalho, eu estava sozinho e dediquei-me a uma vacaria, abandonado isto por muitos anos. Só voltei a amanhar esta vinha há uns vinte anos.
Quanto tempo esteve abandonada?
Para aí uns 10 anos ou mais. Já tinha acácias mais altas do que as macieiras, muito mais. As acácias nascem por todo o lado e na areia são uma praga: mal haja um descuido, isto fica tudo coberto de acácias.
Voltou porque agora estão a dar mais dinheiro pela uva?
Sim, agora está a ser mais bem pago, passou a ser uma coisa escassa, em vias de extinção. Por exemplo, eu vendo as uvas a uma empresa particular que tem uma marca própria e que me pode pagar a esse preço, porque vende uma garrafa por, sei lá, eu nem sei, mas devem estar a vende-la por 40 €, 50 €. Admira-me quem dá esse dinheiro pelo vinho.
Aprendeu a trabalhar esta vinha com quem? Com o seu pai?
Pois.
Aprendeu tudo com ele?
Sim. Nasci aqui, andava na escola, e o meu pai estava sempre ansioso por que eu tivesse um fim-de-semana para vir para aqui dar água ao pulverizador manual ― com 8 anos andava com 12 litros de água para lhe abastecer o pulverizador. Há um poço à ponta, tínhamos lá um tanque… naquele tempo, nem havia tanque, era uma barrica de madeira. O tanque já fui eu que fiz quando tinha 16 ou 17 anos. E, então, passávamos aqui a vida, mas nessa altura havia 3 vinhas: esta, uma que o meu filho voltou a plantar e um bocadinho aqui que também voltou a plantar no ano passado. Mas, agora, as que voltou a plantar já não vivem tanto como viveram as primeiras.
Porquê?
Não sei. A terra é uma terra pobre, e então temos mesmo de seguir aquele ditado: «É terra que já deu uva.» Como já deu uvas, já não volta a dar. Agora, para dar uvas tem de se criar um pinhal, depois já se pode plantar vinha… Mas é a tal história, enquanto a primeira durou 100 anos, esta dura 20.
Depois do pinhal?
Sim.
Porquê?
Porque a terra está enjoada.
Os pinheiros têm de estar quanto tempo?
Pelo menos, 20, 30 anos, para depois dar vinho outra vez.
Quando começou a trabalhar aqui com oito anos, que fazia na vinha? Abastecia de água e mais?
Mais nada, andava na escola. Era água para a vinha e para as macieiras.
Quando é que começou a fazer mais coisas?
Assim que saí da escola, a partir dos 11 anos.
Veio para aqui trabalhar?
Pois. Para aqui e para outras coisas. Tínhamos muito mais coisas, tínhamos vinhas em barro, terras, trigo…
Nesta vinha de areia, que faziam naquela altura? Que faziam durante o ano?
A mesma coisa que se faz agora. Dantes, isto era tudo cavado à enxada, agora mete-se uma moto-enxada e já se cava menos.
Cavavam isto tudo à enxada?
Tudo.
Para tirar a erva?
A terra tinha de ser mexida, para tirar a erva e para manter a terra fresca.
Era trabalhar o dia todo?
Pois era, de sol a sol. Era desde o sol nascer até ao sol se pôr. Nem é bom falar disso.
Era duro?
Ai, ai… Aqui, ainda era areia. E quando era em barro? Cheio de cascalho e com enxadas pesadíssimas, enxadas de pontas.
Está a arrancar raízes nessa parte da cepa?
Devia ter sido levantado a certa altura, e não foi.
Mas vai cortar ou levantar?
O pé é ali, não pode ter raízes aqui. Vou tirar. Isto é branco, é malvasia.
Porque é que diz que é branco?
Conheço a videira, e ainda tem folhas. A folha do branco é desta cor e a do tinto não… eles misturaram tudo… agora, não se faz isso, fazem-se linhas de tinto e linhas de branco.
Antigamente, era tudo junto.
Era misturado: misturavam tudo e várias variedades ― esta que está aqui é tinta, é molar, a outra ao lado é ramisco.
E esta branca?
É malvasia. Ali, há algumas cepas de galego, que é branco também.
Naquele tempo, que faziam mais?
Isto estava tudo cheio de abrigos, de cana seca, não se usavam canaviais. De seis em seis metros, no intervalo de cada área, havia um abrigo de canas. E o trabalhão que dava? Depois, vinha o vento e deitava tudo abaixo, e tínhamos de levantar o abrigo. Alguns chegaram a ser levantados três vezes, um abrigo de 100 metros de comprimento…
É complicado? Dá muito trabalho?
Então não dá! É levantar a paliçada e pô-la aprumada, e às vezes está uma para cada lado.
Porque é que tombavam várias vezes ao ano? Por causa do vento?
Sim. Porque dantes não havia pinhais ali atrás, não havia nada, isto era tudo vinhas, e os pinhais é que cortam os ventos. Os ventos chegam aqui já ensarilhados, é diferente.
Havia muito vento?
Também havia mais, é verdade.
As uvas precisam de ser protegidas do vento com as paliçadas?
Sim, têm de estar ao abrigo. Por exemplo, neste caso, as próprias macieiras são mais robustas para o vento, elas próprias já fazem abrigo à vinha, ou seja, com elas o vento já ensarilha, é diferente de ser o vento cortante. O vento varre a areia e a própria areia queima os rebentos à vinha. Se deixasse isto à disposição do vento, tudo aberto, a areia levantava, era varrida pelo vento e batia nos rebentos quando a vinha está a arrebentar, tenra, e queimava tudo. Há dois ou três anos, na vinha do engenheiro, que é armada, estava mais alta, o abrigo caiu, e estando mais voltada ao mar, virada a norte, foi tudo, não ficaram nem folhas, nem uvas, nem nada, desapareceu tudo. Às vezes, a gente diz que é vento norte, mas é noroeste, noroeste é que é o nosso problema maior.
Que mais trabalhos é que faziam na vinha antigamente?
Os trabalhos são os mesmos que hoje.
Estrumar?
Sim, a gente chama encaldeirar: abriam-se covas e punha-se estrume para dentro. E de três em três anos, voltava-se ao mesmo sítio. Pelo menos, devia ser assim, e agora também é assim. Na altura, enterravam-se matos, limpavam-se os matos todos e enfiava-se tudo debaixo da terra, que a areia come tudo, toda a lenha, e a vinha ia-se mantendo forte.
Notava-se a diferença?
Ui, assim que se trata ela fica logo mais forte.
Arrebita.
As vinhas entre aquelas chapas foram tratadas há dois anos ― encaldarei ―, e já se nota.
Como é que faz?
Com um balde, empurro metade para um lado e metade para o outro, e o resto tenho de fazer à enxada até meio metro. Depois, levo o cesto de estrume e, em seguida, tapo, são covas de 1 m2. Mas não é só com o estrume; a vinha goza mesmo só pondo a terra de cima para baixo, porque esta terra está cheia de matéria orgânica, basta só mudar a manta morta para ao pé das raízes que elas já gozam.
Que mais coisas é que faz na vinha?
Quando é a altura, em Agosto, levanta-se a uva com as caninhas, levantam-se os braços da vinha ― o que nós pomos é o chamado pontões, para a uva não estar no chão, porque senão, se chove qualquer coisa quando a uva está quase madura e está no chão, apodrece tudo, por isso tem de ser tudo levantado.
Estas varas que está a cortar vai plantá-las directamente na areia?
Das que preciso, vou, mas não é na areia, é no barro, pelo menos deve ser no barro.
Como é que faz?
Abre-se uma vala até ao barro ― são plantadas metro a metro ―, põe-se estrume dentro e tapa-se. Antigamente, abria-se uma vala à enxada, metade para aqui metade para acolá, valas de três metros, depois puxava-se, tirava-se metade da areia, a outra metade ficava lá, depois― chamava a gente de bancadas ― ia-se passando para trás, raspava-se até ao barro, plantava-se, e toda aquela terra que estava mais perto do barro ficava lá dentro na mesma, porque a areia mais perto do barro torna-se rija depois de voltar a secar, então convém que ela fique na mesma lá em baixo.
Plantavam com que distância?
Plantava três linhas em cada manta, três metros, três linhas ― uma ficava ao meio e as outras ficavam nas margens da manta. E plantava-se de meio em meio metro, depois eram desbastadas e tiradas as que menos se desenvolviam.
Isso passado quanto tempo?
Um ano ou dois, ia-se vendo. As que ficavam mais fracas tiravam-se, que não interessava deixar tanta cepa. Agora não, agora são plantadas já à conta, têm de ser todas aproveitadas, mas depois algumas não prestam, pois claro. Dantes, depois de estarem plantadas, escolhiam-se as melhores, agora fica tudo. São plantadas à conta, de metro a metro e linhas de 2,20 m, para passar o tractor. Enfim, são modernices.
Mas está a perder-se alguma coisa?
A qualidade, nunca tem o grau que estas vinhas têm.
Qual é o grau destas?
Chegava aos 12 e tal, 13.
E as outras?
Para aí 10,5. Aqui, a uva está em cima da areia, a areia é quente, puxa por ela, dá-lhe mais açúcar. A outra é toda criada pendurada ao ar, já não é preciso pôr os tais pontões, está atada ao arame. Só que em cada 20 cm que sobe, perde um grau.
E o sabor?
É a mesma coisa. Uma coisa mais doce tem um sabor diferente da que não está tão doce. Ela também não tem mais grau porque não tem mais açúcar. O que era antigo acabou tudo.
Tem pena?
Pena para quê? Não há ninguém para trabalhar nelas.
Porque é que acha que as pessoas não querem trabalhar nestas vinhas?
Não querem trabalhar nisto, nem noutra coisa, a malta não quer trabalhar, quer é empregos, não é trabalho. A malta não quer fazer nada; para se fazer alguma coisa, têm de vir do estrangeiro.
Não gostam de trabalhar na agricultura?
Nada, só querem trabalhar sentados. Nem nas obras… até para as obras não se arranja pessoal, a malta não quer esforço. Dizem que é escravatura, que trabalhar é escravatura.
Gosta de trabalhar a vinha?
Gosto, tenho pena de não ter saúde para isto, nem idade.
Mas dá-lhe gosto estar aqui no meio da vinha?
Gosto. Venho cá praticamente todos os dias. Sinto-me útil a fazer qualquer coisa.
Gosta de beber o vinho destas vinhas?
Sei lá, se calhar nunca o bebi.
Gosta do vinho de Colares?
Gosto mais do branco, mas o que tem mais fama é o tinto. O branco é muito bom. O tinto é mais famoso, mas os antigos não eram burros, porque esta vinha, que é antiquíssima, tinha muito mais branco do que tinto.
Qual é a diferença?
A diferença é 2/3 de branco.
Como é que faziam a vindima?
Primeiro, o branco, depois o tinto, mas tudo de seguida.
A vinha dava branco e tinto.
Antigamente, o branco tinha mais fama, por isso é que plantaram branco. Nem é preciso ninguém dizer: se tem mais branco, é porque dava mais dinheiro. O dinheiro estava sempre acima de tudo. Agora, está tudo ao mesmo preço.
E estão a plantar mais branco ou mais tinto?
O branco produz mais.
Esta vinha com 200 anos produz muito ou nem por isso?
Há cepas que já estão fracas. Por exemplo, a variedade que está aqui, a molar, é o tinto que eles utilizavam para cortar a acidez ao ramisco, que é um vinho doce. A vindima era feita separadamente, porque havia quantidade, podia fazer-se um tonel ou um casco dessa variedade, que depois se juntava ao ramisco. Ela vindima-se mais cedo do que o ramisco, ou melhor, devia vindimar-se mais cedo, mas agora não, como é pouca coisa vai tudo junto. Mas quando a gente vem vindimar, os pássaros já comeram quase tudo, que eles também gostam do que é doce, e ela é mais doce do que as outras, e então não vale a pena. Algumas já as arranquei, aquela vou arrancá-la, não vale a pena. Ela produz pouco, está-me a estorvar para passar a máquina.
Não arranque… Ela tem 200 anos.
Ninguém me paga por isso.
Isto é um património. É um museu vivo.
Isto aqui é visitado pelos turistas a toda a hora. Agora, alcatroaram a estrada até ao fundo da minha propriedade, o resto já estava. Mas eles mesmo sem alcatrão já vinham de autocarro, passavam por aqui e olhavam para as vinhas.
Aqui, tem tintos ramisco e molar…
E os brancos malvasia e galego.
Alguma delas era plantada para compensar?
Aí é que eu não sei. A malvasia é tão doce como a galego, mas é a tal coisa, também tinha de ser vindimada mais cedo.
Qual delas?
A galego tinha de ser vindimada mais cedo, que era a chamada monda; fazia-se a monda na galego branco e na molar tinto, uma semana antes da outra vindima.
Depois, era o ramisco e a malvasia.
Certa vez, ainda tinha muita uva e fiz um barril de 100 litros. Em Agosto, fiz a monda em todas, mesmo a ramisco, que estava mais madura, apanhei e fiz 100 litros de vinho ― é um vinho fora de série, nem o Porto se compara. É tão bom que nem sei aquilo o que é. Galego, malvasia, ramisco e molar. Foram apanhadas logo em Agosto, há anos que dá para fazer isso.
Geralmente, a vindima aqui é quando?
É em meados de Setembro.
Vindima em quanto tempo?
Quinze dias, mas não é por causa disto. Temos de ir às vinhas de barro.
No tempo do seu pai, esta uva ia para onde?
Ia para a Adega Regional de Colares. Havia postos de recepção em vários sítios da região: em Colares, Fontanelas, Azenhas do Mar e Janas. Depois, ultimamente, havia aqui um posto de recepção, mas a Junta Nacional dos Vinhos já não vinha buscar as uvas, eu é que tinha de as transportar com o tractor para a adega em Colares.
Antigamente, vinham cá buscar?
Vinham.
Mas também havia muita uva.
Isso era mais a uva do chão rijo, porque havia anos e épocas em que eles não eram capazes de se despachar lá em baixo na adega, e os cestos ficavam no posto de recepção dias e dias à espera de serem despejados. Ficava uma área toda coberta de cestos, e, às vezes, a chover e os cestos todos dentro de água.
Estamos a falar de há quanto tempo?
Estamos a falar de cerca de 50 anos.
Anos 1970?
Antes disso. Ainda havia essas quantidades. Depois, foi sempre menos.
Aqui, era só vinha?
Isto aqui não serve para outra coisa: é pinheiros, vinha e macieiras.
Os vimes estão onde?
Estão na ponta do terreno. Havia muito vimeiro nesse tempo para fazer os tais cestos para a vindima, e os cabazes de verga.
E quem fazia?
Havia aí cesteiros, ainda tenho um molde lá em casa de um modelo de cesto adaptado para as albardas dos burros. Albarda é a parte que se cobre no animal, o acolchoado em palha de centeio grosso para não se aleijarem, e os cestos eram curvos para dar a curva na albarda e não caírem.
As uvas iam de burro?
Sim, levavam dois cestos de 50 kg, e nessas areias era difícil, até para os carros de bois, que se viam aflitos na areia. Os burros eram mais próprios para transportar os cestos na areia, punham sempre as patas nos sítios uns dos outros e andavam bem. Depois, quando comprei o tractor, já lá vão 50 anos, mandei fazer uns cestos diferentes, ainda havia cesteiros a trabalhar na zona.
Agora, o vime é utilizado para as canas?
Agora, uso os vimes nos abrigos do engenheiro e nesta vinha. Hoje, estou a fazer molhes para atar os bacelos.
Junta os bacelos em molhos e depois?
Vou enterrá-los, não no sítio onde os vou plantar, mas numa borda qualquer. Faço um buraco, deito-os, e cobro com areia por cima.
Quando quiser fazer a plantação directa…
Vou lá buscá-los.
Tem mais trabalhos nesta vinha durante o ano?
Tem de se polvorizar, sulfatar, todas as semanas, durante os meses de Abril, Maio e Junho, a ver se se evita que o míldio apareça.
Tem alguma regra para fazer a poda?
Quando x estar muito longe do pé, estou sempre a ver se a ponho mais perto um bocadinho, não interessa que seja em cima do pé, mas convém um pouco mais perto do pé. Normalmente, elas querem ir para a frente, e eu quero que elas de vez em quando venham para trás.
Há muita gente que sabe podar?
Não, há para aí meia dúzia deles, e estão a acabar. Estão a morrer de velhos, doentes e cansados. O meu filho anda aí, mas não percebe nada disto.
Da poda?
Sim, passa o tempo a olhar para ela, primeiro que decida…
O senhor José já não precisa de pensar?
Não, já não preciso de pensar muito (risos), é olhar para elas e pronto.
É a maneira de controlar a planta.
Temos de a educar, senão é sempre para a frente. E para a frente, que acontece? Cansa, porque rebenta tanta coisa que, quando chega à ponta, já não tem força. Rebenta tanta lenha por todo o lado. Elas duraram tanto tempo porque o sítio é propício para elas.
Não há mais vinhas com 200 anos aqui na zona?
Havia algumas, mas os donos morreram, os filhos já não vieram para cá, e acabou-se.
Arrancaram a vinha?
Deixaram-na lá estar, mas está morta, os pinheiros invadiram tudo. Não é preciso semear os pinheiros, o vento faz sementeira, enche isto tudo de pinhal.
Que faz aos pinheiros que nascem?
Arranco-os todos. Aos pinheiros e às acácias. Ainda temos esse problema: os terrenos são pequeninos, os vizinhos não amanham e as raízes das árvores estragam tudo.
Antigamente, aqui era o quê? Era só vinha? Qual era a paisagem?
Era tudo vinha.
Não havia árvores?
Não.
Canaviais?
Canaviais havia. Primeiro, porque são precisos para dar canas, e, segundo, porque também abrigam.
Havia sempre vinha, canaviais e vimeiros?
Sim. Era tudo essencial para o bom funcionamento do amanho da vinha.
Macieiras?
Poucas, muito poucas. Quando o meu pai comprou, havia aqui um triângulo com cinco macieiras.
Depois, foram construindo as casas que vemos em redor?
Uma vez, fui mais o engenheiro José Vicente Paulo falar com a Edite Estrela por causa disso. Começou a aprovar aqui terrenos para construção… e, então, é o fim do vinho de areia, porque a vinha não dá o rendimento que dá o terreno para semear tijolos.
E ela começou a autorizar?
Pois, começou a deixar construir aí por todo o lado
Que idade é que tem?
Setenta e cinco anos. Isto está condenado a acabar. Os meus filhos só trabalham em cima do tractor; fora disso, chapéu. Isto não se pode fazer a tractor, custa muito, e as pessoas trabalham 5 minutos vergadas e dizem logo que estão cansadas, que lhes doem as costas.
A si, doem-lhe muito as costas?
Ah, pois doem. Mas enquanto puder fazer alguma coisa, vou fazendo. Até aqui, tenho feito o meu trabalho e o do meu filho, mas se fizer só o meu já não é mau. Estas árvores estão tão velhas…
Mas continuam a dar?
A casca é que conta.
Que idade é que têm essas macieiras?
Têm 80 anos, foram todas plantadas pelo meu pai. Estas que estão mais perto do canavial estão mais fracas. O canavial é bom por um lado, mas é mau por outro. Agora na poda, estou sempre a procurar, que isto tem de ser tudo cavado, tenho que andar aqui de gatas.
As pessoas da terra dão valor a estas vinhas antigas?
Já não há ninguém daqui; se não fossem os de fora, a terra estava deserta.